30 de agosto de 2011

Lait renversé

De poeira ele havia se sujado ao cair no chão e pela primeira vez não havia sido enxuto por pano sujo. Branco e doce, era o leite que a mulher amorosa havia preparado para os amorosos filhos e para o amoroso marido. Branco era a cor do ódio destilado dos que lhe seguravam a garganta agora. Doce era o que suas lágrimas não eram, e que grande ironia também eram, ela estava chorando sob o leite derramado pelas mãos brancas para as quais implorava pela sua vida. Branco era a cor de seu vestido rodado, comprado pelas mãos negras do seu amado esposo que a amava tanto, amado esposo que muito distante dali arrancava no chão uma flor branca para enfeitar os cabelos negros da amada esposa de bochechas cor de terra escura assim como os seus bonitos e brilhantes olhos, o amado esposo jamais havia deixado de vê-la como a coisa mais bonita que já havia visto na vida, o amado esposo desde a primeira vez que a vira sabia que a queria como sua amada esposa para toda sua vida. Branco também era a cor dos dentes expostos da amada esposa que agora gritava enquanto o ódio branco lhe tirava algo que antes era só de seu amado esposo, algo tão especial que a amada esposa havia decidido guardar e dar somente ao amado esposo desde a primeira vez que o havia visto colhendo algodão na fazenda de seu senhor. Naquele momento ela só conseguia pensar naqueles algodões brancos, por que o homem branco não era capaz de ser tão gentil como o algodão branco? Logo o amoroso marido chegava, mas que pena, as flores brancas ele deixou cair sujando-as de poeira. Os amorosos filhos também deixaram lágrimas caírem sobre elas assim como a amorosa mãe havia deixado sob o leite. Com os braços negros fortes, o amoroso marido pegou nos braços a esposa e a corda de seu pescoço tirou, deitou-a no chão e colocou as flores sujas em seu cabelo negro enquanto via sua casa de paredes brancas se tornar negra pelas mãos do fogo, fogo servo das mãos brancas regadas do ódio branco que matara sua esposa da cor de terra molhada.

26 de agosto de 2011

Disgracieux

Falava. Eu falava muito. Ela falava demais também, mas nada dizia. Só falava e falava. Falava palavras que mesmo com sentido não adquiriam nada. Era sempre concordância. Nada a completar e tampouco a adicionar. Não havia opinião forte nem fraca, era só opinião. Tudo o que eu dizia debatia sozinha, enfrentar-me ela não sabia, ela só concordava e mesmo em discordância, não teimava. Não tinha gosto de sal, mas também não tinha sabor doce. Nada de muito importante lhe era creditado, nada feito era motivado por força além da mecânica. Era tudo sempre a mesma coisa. Meus beijos sempre eram correspondidos, mas aonde estava a paixão? Ela me beijava e eu também a beijava, mas nada se sentia além do físico. Nada, era tudo maquinado e automático, tudo mecânico e sem fervor. Era linda, mas que graça ela tinha? Sua beleza era superior à de qualquer mortal, mas, novamente, que graça tinha nela? Era tão bonita e mesmo de traços incomuns, ela era comum. Não tinha sabor, não tinha fogo. Sempre era nude, nunca branco, nunca preto e nunca cinza, era só nude. Nada forte, nada destacado. Uma linda cor, mas uma cor tão neutra. Seu chá não era nem amargo e nem doce. Seus movimentos nem rápidos nem lentos. Eram só movimentos. Sua tristeza era a indiferença e seu amor também o era. Ela não tinha nada a acrescentar, era normal e não sabia falar mais do que uma garota normal sabe. Parecia adestrada e alienada. Muito comum. Muito robótica. Que é que ela tinha? Ela tinha gosto neutro, ela era neutra e agia neutro. Ela era como água. Insípida, incolor, inodora. Não tinha forma. Não tinha nada de mais. Ah, eu a amava, mas ela era tão sem graça. Eu a amava, mas perto dela eu era mais vermelho que comum e perto de mim ela era nude demais.

20 de agosto de 2011

Those electric eyes

Bonito era o nascer-do-sol batendo na janela do nosso quarto ultrapassando as cortinas negras, fazendo o corpo pálido de Roxanne esconder-se debaixo das cobertas; vinha sempre junto do vento gelado das manhãs que fazia agora minha branca encolher-se. Cheiro de orvalho, cheiro de grama molhada e cheiro de azul índigo. Seu nariz, arrebitado, beijei e levantei por fim. Uma regata preta combinando com a lingerie de poliéster preta, abri então toda a casa e deixei a manhã tomar conta dela. Baguncei meu cobre cabelo, o nariz torci e por fim bocejei. Coloquei a água pra ferver, fatiei o pão e sobre a mesa a manteiga coloquei. Feito o café, escutei mimosos passos de minha pequena, esquentei então o seu leite, feito isso, servi em sua xícara branca internamente preta que combinava exatamente com a minha preta de interior branco e carregando café preto. Bonitos eram os olhos da minha menina. Eram brilhantes, eram hipnóticos. Eram doces, eram gentis. Sentou-se, a camisola branca de renda contrastava bem com o cabelo castanho-escuro que agora refletia o sol, então, pegou a xícara e sem dizer uma palavra sequer, tingiu o liquido branco e quente com pegajoso âmbar para adoçar ainda mais a bebida já doce. Mas, ah! Os seus olhos! Olhos tão dela, olhos tão meus. São olhos seus, são faróis meus. A canela lancei no café puro, preto continuou, amargo continuou. É mel dela, é café meu. São os seus olhos castanhos, são os meus negros. É o mel dela, é o café meu. É seu beijo adoçando meu amargo, é meu amargo tirando o doce dos seus finos lábios rosados. Bonito mesmo era a forma como ela me completava e me deixava fazer o mesmo.